Marta Geadas Durán: Viajando à boleia da Marta
Por Jéssica Moás de Sá
Este texto é uma viagem
liderada por Marta Geadas Durán. Desengane-se quem pensa que os seus 24 anos
não lhe permitem traçar um roteiro certeiro. É que a Marta é a personificação
dos verbos: ir e desenrascar. As viagens são a sua forma de vida. Em 2016 criou
o blog As boleias da Marta e foi, literalmente à boleia, que
começou a viajar pelo mundo. Agora conta-nos o segredo para se viajar de forma
tão livre e libertina, como faz tão bem.
Voluntariado foi o mote
Atualmente Marta tem 23
mil seguidores no Instagram, rede social onde é mais seguida. Recuando no tempo,
quando aos 18 anos viajou pela primeira vez para Moçambique, não imaginava o
que o futuro lhe reservaria. Esta viagem aconteceu por acaso, depois de se ter
inscrito num grupo social de voluntariado em Lisboa, de onde é natural e de ter
ido para o país africano em missão. O voluntariado, mais do que uma satisfação
pessoal, trouxe-lhe um novo amor: as viagens. A primeira viagem para este
destino foi em 2014 e voltou em 2015 a África, desta feita a Cabo Verde. Marta
sempre soube e voltou a reforçar a ideia de que não queria, de todo, «um
caminho convencional, um percurso escolar em linha reta», que não a deixasse
“voar”. Fugir da “norma”, denotava-se, já aqui, estava no ADN de Marta.
«Conhecer lugares,
pessoas, as ruas, a cultura, a gastronomia» tornou-se viciante para Marta, que
a partir de uma certa altura já só pensava «na próxima viagem». O facto de ter
começado a viajar para destinos onde as condições socioeconómicas são desfavoráveis foi
também um fator preponderante: «Foi marcante conhecer e viver num contexto em
que existia poucas posses, fracos acessos, sem internet, sem telemóvel,
caminhar para ir buscar água, por isso, depois, queria conhecer mais e mais
pessoas noutras partes do mundo» que vivessem assim, frisa.
A lisboeta é formada em
Comunicação Social, mas nunca pensou exercer a sua formação por uma via
clássica, sobretudo porque não se imaginava a escrever «sobre algo sobre o qual
não estava interessada». Por isso, quando terminou o curso, o blog de
viagens pareceu-lhe o caminho certo. Assim nasceu o “Boleias da Marta” e hoje,
apesar de já não viajar 100% à boleia, o nome continua a fazer sentido, porque
quem a segue viaja através das publicações que partilha. Ainda antes de
terminar o curso, a jovem tinha feito um blog com uma colega com quem fez
um intercâmbio quando foi estudar para Macau e também viajar pelo sudoeste
asiático, «de mochila às costas e a escrever». Logo aí percebeu a direção que
queria seguir.
À mercê dos outros
Para algumas pessoas, a
ideia de ir à boleia para outra parte do mundo é assustadora, por isso,
conhecer a história da Marta pode ser inspirador. A primeira boleia que apanhou
sozinha foi “nas nuvens”, ainda no avião que a levava para Genebra. Marta
queria apanhar a sua primeira boleia já em terra, mas a sua veia comunicadora
antecipou-se: «Eu ia no avião a falar com uma senhora que ia para Lausanne e
por acaso já ia a pensar como eu própria iria para lá, e logo ali arranjei a
minha primeira boleia», conta.
Marta recorda também a
segunda boleia, esta já numa estação de serviço, depois de três dias de estada
em Lausanne. «Queria ir para a Alemanha e nesta fase já estava sozinha, à mão
de quem quisesse parar. Passado 10 minutos de lá estar, parou um jaguar. Falei
com o senhor e ele deu-me boleia, não me foi levar à Alemanha, mas deixou-me
uns quilómetros mais à frente, eu ando à boleia pouco a pouco», explica,
contando ainda que quando parou o senhor lhe deu «10 francos suíços para beber
um café». Esta generosidade espantou Marta: «Estava a dar-me boleia e ainda me
deu dinheiro para um café. Ele disse que me queria ajudar». A questão monetária
foi uma das principais razões para que a jovem começasse a pedir boleia.
«Lembro-me que para chegar à Alemanha desde a Suíça, gastaria de transportes
200 euros, dinheiro que na altura não tinha», refere Marta, admitindo que
atualmente as boleias «são mesmo por gozo».
No final desta viagem à
boleia pela Europa, que durou dois meses, a lisboeta visitou 11 países, «sempre
à boleia». E há receios? «Já tive receio, algumas pessoas mostraram ter
segundas intenções e há pessoas que não transmitem tanta confiança, mas nunca
tive medo mesmo, apenas desconfiança», garante. Neste processo já ganhou
«muitos amigos de coração» e frisa que em qualquer parte do mundo há «sempre
alguém que ajuda». Exemplo disso foi uma viagem que fez entre Lisboa e
Marrocos, uma das histórias «mais marcantes». Marta pedia boleia já em
Marrocos, mas ainda a 600 quilómetros de Marraquexe que era o seu destino final
e houve um casal que parou: «Convidaram-me para ficar em casa deles, porque não
iam para Marraquexe, mas queriam dar-me casa, estadia e alimentação e no dia
seguinte iam-me deixar na estrada para seguir viagem». O casal ganhou tanta
afeição a Marta que no dia seguinte fez os 600 quilómetros para a deixar em
Marraquexe. «Foi incrível», recorda.
O futuro
Marta consegue atualmente
fazer alguns trabalhos pontuais que lhe permitem tirar algum rendimento através
do blog e das viagens, mas ainda não é disto que vive. «A forma como me
financio e sempre me financiei foi a trabalhar nos tuk tuk, em Lisboa,
no verão. Consigo juntar bastante dinheiro e dessa forma consigo viajar durante
alguns meses», explica. Ultimamente Marta tem estado também inserida nalguns
projetos, um deles a decorrer agora onde está a percorrer Portugal e a dar
palestras e apesar de não receber um ordenado, as «ajudas de custo»
permitem-lhe viajar a trabalhar ao mesmo tempo. Já estagiou também um ano na
área da comunicação na UNICEF, em Guiné-Bissau. Hoje tenta conciliar atividades
que lhe permitam «trabalhar e viajar» ao mesmo tempo. Através do Instagram já
se aliou a algumas marcas, para a divulgação de produtos, mas estes são também
trabalhos esporádicos.
Mas e no futuro, é para
viver disto? Marta tem um projeto a arrancar de «liderança de viagens», ou
seja, quem quiser viajar com a jovem vai pagar pelo serviço, onde esta será a
guia. As viagens devem arrancar no próximo ano, apenas com três viagens anuais,
mas a ideia é que o número de viagens aumente, se o retorno se mostrar positivo.
A lisboeta quer mostrar que para ter este «estilo de vida» não é preciso ter
muito dinheiro, mas sim «garra e força de vontade». Apesar de reconhecer que
não fica em hotéis nem faz programas caros, Marta garante que gasta mais dinheiro a viajar do que se
estiver «na sua rotina normal» em casa. Exemplo disso foi a recente viagem que
fez de bicicleta a Guiné-Bissau. Sim, leu bem, de bicicleta.
De Lisboa a Guiné-Bissau em bicicleta
Um mês e meio de viagem,
foi o tempo que Marta levou a chegar a Guiné-Bissau. A maior parte do caminho
foi feita com a amiga de duas rodas, e outra parte «à boleia e de transportes».
Uma experiência «incrível, das mais desafiantes a nível físico e psicológico»:
«Eu não fazia exercício há um ano, nunca tinha feito uma viagem de bicicleta e
não tinha uma bicicleta boa para viajar. O que quis mostrar a mim mesma foi que
é possível ir, nem que seja com uma bicicleta podre. Basta querermos, que o
corpo se adapta».
Marta inspirou-se noutros
viajantes que viu de bicicleta quando esteve na Guiné-Bissau e como queria lá
voltar, decidiu fazer-se à estrada dessa forma. O «início foi o mais
complicado», sendo que Marta começou a viagem com um amigo na primeira semana e
depois ficou sozinha: «Quando o meu amigo foi embora, tive algum medo, nos
primeiros dias sozinha. Estava sozinha por campos e não via ninguém, mas depois
só queria estar sozinha. Habituamo-nos a estar sozinhos». Para «dormir, tomar
banho, carregar o telemóvel», Marta acampava. Em Marrocos acampou por 2 euros por
noite, frisando que estas viagens podem ser mesmo baratas.
As Boleias da Marta já
levaram os seguidores «a 34 países», diz Marta, embora pouco segura que o
número esteja mesmo atualizado. «Não sou muito de contar países e houve muitos
que repeti», explica. Há dois países que a marcaram muito: o Nepal, onde esteve
cinco meses a dar aulas de português e a Guiné-Bissau, onde volta sempre que
pode e para onde vai liderar as viagens como guia. Não consegue eleger o país
mais bonito, mas a Índia é um dos que mais a surpreendeu: «A Índia surpreende
em cada canto, a comida, as pessoas, a cultura».
A Marta vai continuar a
dar boleia e a ir à boleia. O blog vai existir «até quando fizer
sentido» e a jovem espera que faça «durante muitos anos». Apesar de estar longe
de amigos e família, as viagens têm sido «muito recompensadoras» e por isso
espera continuar a «inspirar» as pessoas, tanto quanto se deixa inspirar pelo
mundo.
Comentários
Enviar um comentário